Reportagem do programa Fantástico, da TV Globo, veiculada em 17 de Março passado, mostrou a prática usada por fornecedores de hospitais para fraudar licitações e vencer concorrências públicas de forma desleal. As evidências, explícitas, mostraram com pesar como o dinheiro público tem sido manipulado no nosso país. Aqui, infelizmente, podemos dizer que a ética tem sido bastante distorcida.
Na matéria – uma simulação realizada pela equipe do programa de televisão com a anuência dos responsáveis pelo hospital -, os representantes das empresas, alguns deles diretores e sócios, oferecem abertamente propina para conseguirem vencer as concorrências pelos serviços licitados pelo hospital, como coleta de lixo, fornecimento de alimentos, ambulâncias etc. Além disso, as imagens mostram a estratégia empreendida por eles para ganhar o serviço, abrindo os valores que seriam cobrados ao repórter, travestido de gestor público, e manipulando as outras empresas concorrentes.
Nas conversas gravadas pela reportagem citada, os representantes das empresas falam com naturalidade sobre as práticas ilegais de suborno e fraude como sendo a normalidade do ambiente profissional em que atuam. Um deles chegou a evocar que a atitude é a “ética do mercado”, quase como uma justificativa moral para o esquema oferecido.
Os fraudadores, no entanto, mostraram uma visão distorcida de ética, confundindo-a com a aceitação de práticas ilegais como sendo a normalidade. A ética é justamente o que orienta os comportamentos para a garantia do bem-estar social e não simplesmente o que acontece na prática atual de algumas empresas. Serve para nos ajudar a refletir e decidir o que é bom ou ruim, certo ou errado na relação com o outro e a coletividade.
No caso televisionado, os interesses buscados são estritamente individuais e também em detrimento da sociedade, uma vez que o dinheiro com o qual eles estavam lidando é público – o que não significa que não tenha dono. Ele pertence a toda a sociedade brasileira. Dessa forma, lesar os cofres da União não pode ser considerado ético, mas sim uma prática criminosa.
Além disso, a prática do mercado é sustentada pelas ações das empresas que o compõem. Logo, a decisão consciente de aceitar participar de um esquema fraudulento, de enriquecimento ilícito, não é uma imposição, e sim um consentimento.
De fato, nenhuma das empresas que apareceram na reportagem parece primar pela dedicação à ética. A atitude da maioria delas com a repercussão do caso foi delegar a culpa ao funcionário envolvido nas negociações, não assumindo responsabilidade pelo ocorrido. Não foi difícil descobrir também que em seus websites não há qualquer referência a códigos de ética.
Talvez as empresas citadas aqui não possam ser punidas judicialmente, pois a reportagem, por ser uma simulação, pode ser juridicamente questionada como prova. Entretanto, elas não sairão ilesas do episódio. O Tribunal de Contas da União começou a investigar o caso e o governo suspendeu os contratos com as empresas denunciadas. No mínimo, a reputação delas está manchada pelos próximos meses. O perigo, no entanto, são essas empresas deixarem a opinião pública se acalmar, mudarem de nome e continuarem o esquema criminoso sob outro nome fantasia.
Referências:
http://www.locanty.com.br/indexIe.html